Hip-Hop, instrumento de educar e produzir paz.




Texto: Erika Fraga e Guilherme Menezes. Foto: Paulo Henrique 

 No dia três de maio comemora-se o dia internacional da música rep, um dos elementos da Cultura Hip-Hop, um movimento que defende a paz e a prosperidade, buscando através dos seus elementos políticos e culturais auxiliar na construção da cidadania e inclusão social de crianças e jovens, em especial das periferias.

Surgido nos anos 1970, o hip-hop é o movimento negro e jovem mais importante da atualidade. Suas origens vieram dos guetos negros de Nova Iorque, durante um período de bastante conturbação política, em que os Estados Unidos sofriam com resistências internas como as campanhas de antissegregação, encabeçada por Malcom X e pelos direitos civis, liderada por Martin Luther King, além de pressões externas como a Guerra do Vietnã. Grandes nomes como DJ Kool Herc, Afrika Bambaataa e Grand Master Flash, foram responsáveis pela criação do estilo musical break beat.

Para compreender o hip-hop, é preciso saber que existem cinco elementos que sustentam e difundem essa cultura, transformando-se com o tempo em seus vários aspectos. Os elementos estão divididos em break (dança da cultura em questão), rap, DJ, graffiti e a consciência do hip-hop como agente de transformação social. O break representa o corpo através da dança; o rap é a consciência, o cérebro; o DJ representa a alma, essência e raiz, e o graffiti é a expressão da arte, o meio de comunicação. Todos esses elementos estão muitas vezes atrelados ao quinto, sendo usados para denunciar os problemas da periferia. A pessoa que se insere nessa cultura tem, dessa forma, uma diversidade de opções. Como rapper ou mc, por exemplo, o indivíduo pode usar o discurso rítmico com rimas e poesias da arte, tanto para fazer shows como para fazer competições.

O cenário do hip-hop do Recife se organiza por meio de associações, brigadas e movimentos. A primeira entidade representativa surgiu ainda nos anos 1990, chamada União dos Rappers, grafiteiros, DJs e B.Boys (Unidrade), e foi criada por motivação do movimento negro, reunindo nomes como Fortunato, Trom e Soldier Man. Logo surgiram outras como a Brigada Hip-Hop, coordenada por Moisés Alexandre (DJ Mais); o Coletivo Êxito de Rua com uma visão muito mais voltada para o trabalho comunitário. Um das entidades que mais lutam pelos direitos sociais da juventude e inclusão do hip-hop dentro das políticas públicas é a Associação Metropolitana de Hip-Hop em Pernambuco (AMH2PE).

Criada em 18 de março de 2004 pelo sociólogo e militante político Sérgio Ricardo em parceria com Pedrão, ela surgiu pela necessidade de organizar o hip-hop para que ele pudesse ser uma voz ativa na luta e nas reivindicações dos direitos sociais. “Pedrão, que sempre teve uma visão aguçada da militância política, defendia a ideia de que era preciso existir uma instituição que agregasse todo mundo, como um sindicato, e que acreditasse no hip-hop mantendo sua história, seu trabalho e sua luta. Nessa época havia uma nova realidade cênica sendo configurada na cidade, em especial, após as eleições de João Paulo, e essa realidade só fez aumentar o nosso desejo de criar a AMH2PE”, revela. Segundo Sérgio, nesse período, o hip-hop estava no ostracismo, existia, mas ficava recluso a um gueto que já participava desse movimento desde a década de 1990, mas que tinha relegado ao esquecimento aquele conceito de antes das rodas de discussões.

Uma das funções da AMH2PE é o trabalho de formação dentro das comunidades, ministrando oficinas e workshops, no campo da formação política, na produção cultural e também nos projetos sociais. Para Sérgio a parte mais gratificante dessa difusão cultural é realizada nas escolas, pois além de reforçar o fortalecimento da cidadania, conseguem formar novas plateias. Sempre que possível, a Associação desenvolve atividades, falando sobre a importância da cultura hip-hop na promoção da cidadania, dentro de penitenciárias como o Aníbal Bruno; Plácido de Souza; Funase, Centro de Reabilitação de Jovens, em Caruaru, entre outros locais.

Ginga B.boys e B.girls.
Eles também são responsáveis pela realização dos maiores eventos que contemplam o hip-hop no Estado, como o torneio de dança de rua Ginga B.boys e B.girls, em parceria com o Festival de Dança do Recife; Jungle Kings (evento que reuniu praticantes da dança de rua do Nordeste) e sem esquecer o Polo Hip-Hop, que é um projeto de referência nacional. “O Polo é o nosso maior baluarte nessa luta pela inclusão nas políticas públicas. Foi uma conquista obtida graças ao Orçamento Participativo. Conseguimos aprová-lo durante três edições, e com o tempo ele se consolidou como ação de governo. Também ampliamos para a Região Metropolitana e tivemos a oportunidade de levá-lo para a cidade de Agrestina, por intermédio do Festival de Dança. E em 2011 conseguimos aprovar o projeto no Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura)”, contextualiza Sérgio.

O Recife também se destaca no quesito dança de rua, de uns dez anos para cá a prática do breakdance passou a ser muito comum. Essa dança era utilizada como manifestação popular e alternativa de jovens para não entrarem em gangues de rua. O movimento tomou Nova Iorque em meados da década de 1970; até que se tornou o que é hoje, um meio de recreação ou competição que é praticado no mundo inteiro. Fabiano Batista de Carvalho, mais conhecido como Zero, atual presidente da Brigada Hip-Hop, um dos grupos mais antigos do Recife, comenta: “No começo, era possível contar nos dedos os crews (grupos artísticos dessa cultura, seja em qualquer elemento) do Recife; e em outras cidades de Pernambuco, nem se fala. Hoje a situação é muito diferente, há vários crews na cidade e outros surgindo. Com as atividades que nós e outros grupos realizam no estado, as pessoas têm mais acesso e condições de fazer parte da cultura”.

Um evento de grande representação realizado pelo grupo é o Campeonato Pernambucano de B-boys, que reúne cerca de 30 a 50 participantes, trazendo um público de quatro a cinco mil pessoas. Os B-boys, aliás, são todos aqueles homens que dançam o break, tendo seu equivalente feminino, B-girl. Mas o break não é tão simples assim como se crê à primeira vista. Primeiro, o break é um nome que substitui três estilos de dança do hip-hop: Locking, B-boying e Popping. Esses estilos têm como base as correntes de passos conhecidas como Toprock (e Uprocks), Footworks (Legworks e Power Moves) e Freezes.
Dentro dessas correntes estão os famosos passos de congelar, em que a pessoa para como de súbito numa posição que mostra habilidade e força, os passos giratórios com trabalho de pés e mãos no chão, entre diversos outros. A ousadia dos passos e a criatividade daqueles que continuam contribuindo com a evolução do break fazem com que a dança esteja cada vez mais em evidência; estando presente em competições, filmes, shows, seriados etc.

Um dos bairros que podem ser considerados um celeiro de B-boys e B-girls é o Ibura. Entre os B-boys mais atuantes do bairro está o arte/educador Edson Alves, também conhecido por Boca, que também faz parte do conselho fiscal da Associação Metropolitana de Hip-Hop em Pernambuco. Boca já participou de vários grupos de break e ministra alguns workshops pelo estado. “Aprendi a dançar break com o Paulo Doido, daí fui chamando alguns amigos que iam se identificando com o movimento, e passamos a treinar nas escolas aqui do bairro que faziam parte dos projetos Escola Aberta e Mais Educação. Com esses treinos, algumas pessoas tiveram contato com a dança e aos poucos foram se juntando ao grupo para aprender, e assim a comunidade foi se apropriando do movimento”, explica Edson.

Para Edson, o break não é apenas uma dança, mas também uma ferramenta para a educação. O hip-hop traz uma história carregada de conflitos políticos e sociais, e essas questões são levadas a sério pelas pessoas que constituem o movimento. E quando os cinco elementos do hip-hop são apresentados aos alunos, despertam um maior interesse nas questões políticas e culturais. Edson já deu aula em algumas escolas como o Colégio Atual e o SESC-PE, atualmente ministra oficinas gratuitas no Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães (Geraldão) e no Parque Dona Lindu. “Muitas pessoas têm problemas sociais, familiares e financeiros, eles inicialmente procuram o break como um meio para esquecer os problemas, pois a dança faz bem a alma, ao coração e principalmente à saúde”, finaliza.

Vem do Movimento Cultural Cores do Amanhã localizado na comunidade do Planalto, no Bairro do Totó, Zona Leste do Recife, um dos maiores exemplos de como a sociedade pode se organizar para mudar a história de um bairro. O Movimento é uma associação filantrópica criada pela educadora Jouse Barata (Josi) em parceria com Adelson (Boris), Erinaldo (Florin) e Fagner (Luther). Com mais de dez anos de existência, busca promover o desenvolvimento humano levando cultura e cidadania por meio da arte para crianças, jovens e adultos que vivem em área de vulnerabilidade.

Oficina de graffitagem na Ilha de Deus -
Cores do Amanhã
Sem nenhum incentivo financeiro, a ONG desenvolve um trabalho de forma voluntária. “Tudo o que conseguimos foi por meio de doações, uma pessoa nos chama para pintar um muro, por exemplo, e paga com um móvel usado, com doações de livros e roupas,...”, comenta Josi que também é coordenadora do Movimento. O graffiti é o instrumento que mais gera renda para o Cores do Amanhã, um dos trabalhos de mais destaque realizados por eles foi o de graffiti e aerografia feito nos caminhões-pipa da empresa de abastecimento de água Disque Água – Recife/PE.

O espaço também recebe jovens de outras comunidades, a oficina de graffiti é uma das atividades mais procuradas entre eles. Segundo Josi, o fato de se identificarem tanto com essa oficina tem relação com a sensação de liberdade e de expressão de sentimentos que o graffiti proporciona. “É muito importante frisar que grafitar não é apenas pintar por pintar, é também uma forma de diálogo, é uma ferramenta para chegar aos jovens e fazê-los refletir sobre a sociedade”, pontua. O processo de conscientização de que o hip-hop é um movimento não só político-social, mas também artístico, é lento. No entanto, após uma década de existência do Movimento Cultural, podemos perceber a compreensão, aceitação e colaboração daquela comunidade, que está sempre fazendo de tudo para fortalecer a causa. “É bonito ver a relação que alguns bairros têm com a nossa ONG, eles oferecem o muro da sua casa para ministrarmos oficinas”, revela.

Em 2010, a ONG foi contemplada com Prêmio Cultura Hip-Hop – Edição Preto Ghóes. O concurso nacional buscava contempla iniciativas do movimento divididas nas cinco categorias. “Com o valor desse Prêmio pudemos comprar uma Kombi, que nos possibilitou ministrar oficinas em outras comunidades não só da região metropolitana, mas também em cidades do Agreste e do Sertão”, ressalta Josi. Também em 2010 a ONG participou do concurso cultural da Listerine, que perguntava, nas comunidades do Recife, O que é essencial para sua comunidade chegar lá?. Com o lema O Espaço Cultural Cores do Amanhã é uma realidade Essencial para a nossa comunidade chegar lá!, a ONG venceu o concurso e foi contemplada com um prêmio de R$ 45 mil para comprar sua sede. “Durante muito tempo a ONG funcionou em um pequeno espaço na casa da minha mãe, mas há sete meses inauguramos a nossa sede, que foi um sonho realizado graças ao concurso da Listerine”, comenta Josi. Com o novo espaço, o Cores passou a atender a um maior número de pessoas, hoje são oferecidas 15 oficinas, entre elas de desenho, pintura, artesanato com reciclagem, grafitagem, recreação e elementos do hip-hop, além de aulas de informática.

No início do ano, a ONG recebeu o Troféu ANU Dourado, promovido pela Central Única das Favelas (CUFA). A premiação foi um reconhecimento à grande iniciativa de trabalhar o hip-hop como instrumento de educação na sociedade. “Sou muito feliz com o que eu faço, agradeço muito a toda nossa equipe, pois o trabalho voluntário tem que ser feito com amor. Sem essa equipe maravilhosa, não teríamos conseguido tantas conquistas. Para mim é importante que as pessoas venham conhecer o nosso espaço e conferir de perto as atividades que desenvolvemos”, afirma Josi.

Serviço:

Associação Metropolitana de Hip-Hop em Pernambuco
amh2pe.wordpress.com
Sérgio Ricardo – 8828.6958

Movimento Cultural Cores do Amanhã
Rua Garota de Ipanema – Box 2, Totó Planalto
coresdomanha.blogspot.com.br | 3037 2638

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