Meu bairro... Moro aqui / Caxangá

A Avenida Caxangá já foi a maior via urbana reta do Brasil

Texto e fotos: Gianfrancesco Mello

Nascido no limite entre Iputinga, Apipucos, Dois Irmãos, Sítio dos Pintos, Primavera (Nazaré), Bairro Novo do Carmelo (Centro), Bairro dos Estados e Várzea, o bairro que visitamos, neste mês de setembro, deixou-se ser visto pelos olhos do passado e, na atualidade, apresentou-se por um lado peculiar dos seus confins. A olho nu, o bairro da Caxangá não possui atrativos e é considerado pelos próprios moradores um lugar comum, apenas enriquecido pelas suas praças, o Caxangá Golf & Country Club, a Boate Corsário Club e o seu passado, que resgata relações de conquistas e evolução com o decorrer dos anos.

Localização do bairro da
Caxangá na cidade do Recife
A timidez da sua existência passa despercebida por muitos de nós. Vários questionam se, de fato, existe o bairro da Caxangá. Será que não se trata apenas da Avenida Caxangá, que já obteve o título de maior via urbana reta do Brasil, com mais de 6,2 quilômetros? A resposta enfática é não. Situado às margens do rio Capibaribe, a onze quilômetros do centro do Recife, o bairro teve origem por meio de uma povoação no final do século XVIII, que foi fundada pelo cônego Francisco Pereira Lopes. Ele, que nasceu em 1755 e viveu até o ano de 1833, também era conhecido como Cônego Caxangá por ser proprietário das terras que tinham esse nome e, com isso, construiu no local uma casa de ótima qualidade para morar e uma capela dedicada a São Francisco de Paula, que existe até os dias de hoje.

Não se tem ideia de onde surgiu o nome Caxangá, todavia alguns autores frisam que se refere a uma corruptela da palavra tupi caa-çan-áb, que significa mata estendida, caa-çang-guá (mato do vale dilatado) ou ainda caa-ciangá (mato da madrasta ou da madrinha). Segundo pesquisas da bibliotecária da Fundação Joaquim Nabuco Lúcia Gaspar, no ano de 1833, a povoação era considerada um dos mais belos e aprazíveis arrabaldes da cidade. Banhada por um rio de águas límpidas e um terreno bastante fértil com clima promissor, o local se desenvolveu rápido e se tornou uma das localidades preferidas para banhos de rio e veraneio da sociedade recifense da época. Além de todos esses atrativos, o bairro possuía, na margem direita do rio, uma fonte de águas minerais, que era bastante procurada por suas propriedades medicinais.


Nosso guia: o cantor e compositor Diogo Lins
Nove anos depois, com a conclusão, em 1842, do primeiro trecho da estrada de Paudalho (atualmente Avenida Caxangá), que partia da Madalena e terminava na povoação, a viagem até o povoado passou a ser feita em uma hora. Antes, só era possível chegar a cavalo e, devido às más condições dos caminhos, levava-se cerca de duas horas para fazer tal percurso. A Estação da Caxangá era o terminal de uma das linhas ferroviárias mais importantes do trem urbano conhecido como Maxambomba (machine pump), que pertencia à Companhia de Trilhos Urbanos do Recife, Olinda e Beberibe, empresa na qual trabalhou por um período o empresário Delmiro Gouveia. Outro grande atrativo foi a construção da ponte pênsil do Caxangá, ligando o Recife à Zona da Mata Norte, construída por Louis Léger Vauthier na administração do Conde da Boa Vista. A obra foi fundamental para o desenvolvimento e o progresso da região.

O bairro da Caxangá é rodeado por outras oito localidades
Área interna do Caxangá & Golf Country Club
Ainda de acordo com a pesquisa de Lúcia Gaspar, localizado junto à estação ferroviária, existia, em 1883, o Hotel Francês de Caxangá, que oferecia aposentos grandes e agradáveis, almoço, jantar e ceia, além de banheiros especiais para banhos de rio. Em outubro de 1928, foi fundado no bairro um clube de campo inglês, o The Pernambuco Golf Club, que, em 1944, passou a se chamar Caxangá Golf & Country Club, construído no local de uma antiga propriedade rural, a do Cônego Caxangá. Atualmente, o local, destinando à prática esportiva, contém 63 hectares de área, 25 mil árvores e é o único clube do Estado de Pernambuco a possuir campo oficial de golfe. Também oferece outras opções de lazer e esportes, como hipismo, tênis, tiro, piscina, playground, salão de jogos e dois restaurantes. Muito mais que um clube, o Caxangá é um estilo de vida para quem gosta de viver em contato com a natureza. Isso porque o clube possui fauna e flora riquíssima, além de ser grande a diversidade de animais silvestres no clube. “Todas as segundas-feiras, a partir das 14 horas, colocamos os nossos profissionais da área de natação à disposição de uma escola da rede municipal, que foi sorteada. Isto é, o Caxangá abriu as portas para incentivar um projeto social, pois muitos jovens e crianças não têm a oportunidade de praticar algum esporte e estamos dando essa chance a eles”, explica a gerente de eventos, Railda Machado.

Construções começam a ganhar mais espaço no bairro da Caxangá
Hoje, apesar do progresso e do constante crescimento urbano da região, a Caxangá continua sendo um local agradável, com muita vegetação e um clima confortante. O bairro integra a 4ª Região Político-Administrativa do Recife (RPA-4), formada por 12 bairros, a Oeste da capital pernambucana. Para desvendar um pouco mais do local, tivemos como guia o cantor e compositor recifense Diogo Lins, que nos mostrou a diversidade cultural do bairro, assim como o que se tem para explorar por entre suas limitações geográficas. O nosso ponto de partida foi a Praça Caxangá, localizada na Rua Caxangá Ágape. “Tirando o Caxangá Golf & Country Club, aqui não tem muito pra onde ir, até porque o bairro em quase sua totalidade é formado por vegetação. Quando eu era pequeno, eu vinha para as praças daqui ou me dirigia para o lado da Iputinga ou do Cordeiro. Antigamente, trazíamos violão, cantávamos nas praças e acabávamos conhecendo mais pessoas que moravam pela redondeza. Hoje em dia, por conta da violência, fica mais difícil”, pontua Diogo Lins.

A boate Corsário é uma das poucas opções de
entretenimento nas noites do bairro
Passando-se alguns minutos, entramos no carro e seguimos pela Avenida Caxangá (sentido centro do Recife) e, ao fazermos um retorno em meio às reformas de melhoria do Corredor Exclusivo de Ônibus Leste-Oeste, deparamo-nos com a Boate Corsário Club, no número 5.570. O local toca todos os estilos de forró e a entrada custa R$ 25. A Corsário é um mix de casa de show e boate, onde à primeira vista parece ser um casarão residencial, mas dentro se revela um lugar estiloso e aconchegante. A sonorização é dividida entre boate com música eletrônica e um palco suspenso, onde bandas se apresentam e artistas performáticos dão seus bons closes. A poucos metros, pode-se ver o Terminal Integrado de Ônibus do Grande Recife, que foi construído em cima de outra praça, denominada também de Caxangá.

A Rua São Francisco de Paula ainda mantém um
clima interiorano com casas que parmanecem com as suas arquiteturas antigas e originais
De lá, fizemos uma pausa na Rua São Francisco de Paula, onde tem também a Unidade de Saúde Professor Olinto de Oliveira (Distrito Sanitário IV). Percebemos ainda, na mesma rua, casarões antigos, que mantêm as mesmas características arquitetônicas originais de outrora. Foi surpresa para nós perceber um certo ar interiorano no local. Parecia que estávamos em qualquer outro local no interior do Estado, exceto numa capital de cidade grande. Nesse momento, a poluição e o barulho de estrada se foram e restou apenas o pensamento de ter sido levado, embora por um instante, a outro ambiente.

Capela São Francisco de Paula
Caindo na real e seguindo o nosso passeio, a pequena área de 254,3 hectares e a população de 6.667 habitantes, conforme o Censo do IBGE do ano 2000, conta com mais uma praça: a Engenheiro Poe. Talvez, algo relativo à rua que fica ali perto, a Engenho Poeta. Enfim, esta, diferentemente da praça citada anteriormente, é possuidora de uma quadra de futebol e de uma quadra para que os jovens pratiquem esportes com seus skates, patins e bicicletas. Sendo assim, contém menos vegetação. E é dessa maneira que nos despedimos da Caxangá, sabendo do seu contexto histórico e entendendo que, mesmo diante do caos de uma grande cidade e das constantes transformações urbanas, as raízes da região ainda são marcantes e enraizadas na memória da nossa cidade.

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