Mestre Galo Preto: 65 lutando pelo coco

Este ano, um dos grandes ícones da cultura popular de Pernambuco completou 65 anos de luta e resistência a favor do coco. Tomás Aquino Leão Cavalcanti, de 76 anos, conhecido por Mestre Galo Preto, é bem mais do que um exemplo de vida. Ele que é músico, coquista, cantador, repentista e embolador tem uma trajetória cheia de altos e baixos. Nascido no quilombo de Santa Isabel localizado no município de Bom Conselho, ele é o último remanescente vivo, que cultua a tradição do coco de seus antepassados. Na década de 70, esse artista popular de voz inconfundível, levou o coco pernambucano ao mais alto nível, que o fez receber o título de um dos maiores / ou maior repentista do Nordeste.  O Mestre Galo ficou conhecido pela criatividade de criar jingles políticos. Entre os políticos para quem ele trabalhou está o Miguel Arraes. Galo, também é sinônimo de luta social, com as melodias que falam sobre preconceito contra cor e a homofobia, alertas sobre o HIV, direitos dos idosos, entre outros.  O pesquisador de línguas africanas e produtor cultural Alexandre L’Omi L’Odò classifica o Mestre Galo como um jazz man, pois, assim como o jazz é um estilo livre em que o artista pode improvisar, o mestre galo consegue fazer a mesma coisa. Ele desenvolve e execulta ritmicamente qualquer estilo de música e toca ao lado de qualquer artista.  Mesmo com todo esse sucesso e competência, o artista acabou caindo no esquecimento do publico, passando 15 anos, afastado da música. Em 2007, ele deu início a sua luta contra o esquecimento popular, que culminou na elaboração de um filme que será lançado em breve. Em reconhecimento a esse grande artista injustiçadamente esquecido, a repórter Erika Fraga da Agenda Cultural do Recife conversou com Mestre Galo Preto, que falou um pouco sobre o início da sua carreira, o legado de seguir com o coco e os planos futuros.    

Quando você começou a cantar coco e embolada?
Eu comecei a cantar aos nove anos de idade. A região onde eu morava era muito envolvida com a música, e isso me influenciou. Também fui influenciado pela minha família, pois os meus tios e os meus avôs gostavam muito de uma roda de coco e de embolada, então a música sempre esteve em meu sangue. E aos 12 anos de idade comecei a ganhar um trocado com a música.

E quando a música tornou-se profissão em sua vida?
Foi quando sai do quilombo de Santa Isabel, localizado em Bom Conselho de Papa Caças e vim morar em Garanhuns.  Na época eu fazia dupla com o meu irmão Curió e lá comecei a ter reconhecimento do meu trabalho. Com o tempo a dupla acabou mas as minhas cantorias continuaram fazendo sucesso e eu passei a me apresentar em casa de família, depois em boates, televisão e rádio. Nessa época existia apenas a rádio clube de Pernambuco. É bom lembrar que nunca fui cantador de rua, daqueles que passa o pandeiro cobrando dinheiro. Eu até admiro quem faz isso.

E porque essa dupla acabou? 
Porque na época eu fui convidado para fazer uma turnê com os artistas da Rádio Clube. Viajei muito cantando e isso fez com que a dupla acabasse.
  No início da sua carreia, você teve apoio do escritor Ascenso Ferreira. Como foi esse contato?
O Ascenso Ferreira foi um dos meus primeiros incentivadores, é até uma história engraçada de lembrar.
Quando sai de Bom Conselho e vim morar no Recife,fiquei na casa do meu irmão, nessa época, não existiam grandes mercados e bodegas, então as pessoas tinham que vender as mercadorias nas ruas. E para ajudar com as despesas de casa, o meu irmão me colocou para vender verduras nas ruas, e a melhor forma que eu encontrei para vender foi criar rimas. Só assim eu chamava a atenção dos meus clientes.  E todos os dias eu passava na frente da casa do Ascenso vendendo minhas batatas, e ele sempre me via cantar. Até que um dia ele me chamou e perguntou se eu também fazia rimas com outros assuntos. Ele me testou rapidamente mandando fazer uns versos improvisados. Quando terminei, ele disse que a minha cabeça não servia para carregar batatas, que eu tinha uma cabeça de mestre. Ele falou com o meu irmão me deu um cartão da Rádio Clube onde eu comecei a me apresentar.

Como surgiu o nome Mestre Galo Preto?
O nome Mestre eu peguei há pouco tempo, foi em 2007 quando voltei a cantar. Mas o nome Galo Preto é antigo. Esse nome eu não ganhei nas cantorias, ganhei “arengando” quando eu era pequeno. Lembro que certo dia eu estava brigando com o meu irmão chamado Curió, mesmo ele sendo cinco anos mais velho que eu, parti para cima dele com tudo. Nisso, um senhor veio separar a briga e quando ele me segurou, olhou para mim e disse: Tu estás que só um galinho preto de briga não é? Desse dia em diante todas as pessoas passaram a me chamar de Galo Preto.

Nos anos 70 você foi considerado um dos maiores repentistas do Nordeste. Chegando a se apresentar ao lado de grandes ícones da música como Luiz Gonzaga, Lourival Batista e Jackson do Pandeiro, mas de uma hora para outra você sumiu do cenário musical e passou 15 anos distante dos palcos. O que causou o seu afastamento?     Nessa época eu realmente fiz muito sucesso. Cheguei a me apresentar em programas de rádio e TV. Fui para o programa do Chacrinha, Flávio Cavalcanti e Silvio Santos. Mas em 1991 tive uma grande rasteira profissionalmente falando. Fui envolvido em um escândalo que jamais eu pertencia e isso me tirou a vontade de continuar cantando. Mas há quatro anos voltei a cantar.

E como foi esse recomeço?
Foi em 2007, quando a Secretaria de Saúde de Olinda, na época representada por  Dr. João Veiga, me fez um convite para fazer a música de uma campanha sobre as Aids e a violência, então reuni vários cantadores e repentistas e formei o grupo Mestre Galo e Preto e o Tronco da Jurema.

Como você se sente sabendo que é o último remanescente do quilombo de Santa Isabel a preservar e passar e a continuar ensinado a tradição do coco?
Eu me sinto muito feliz e honrado, pois estou deixando uma história e uma raiz para os jovens que desejam continuar com os costumes de antigamente. Mas é bom lembrar que eu sou o último daquela região, pois ainda existem muitas pessoas da minha época que têm o coco no coração e continuam carregando e ensinando esse legado.

Você tem 65 anos dedicados ao coco, porque nunca gravou um CD?
Na minha época era tudo muito difícil. Nunca tive uma oportunidade para isso. Mas o meu produtor Alexandre L’Omi L’Odò está elaborando um edital, e acredito que ainda esse ano gravarei o meu primeiro CD.

Esse mês será lançado o filme “Galo Preto, o Menestrel do Coco”, que conta um pouco da sua história. Como foi o processo de realização do filme?
O filme é uma média metragem, mas ainda não tem uma data certa para o lançamento. Creio que ainda esse mês, a data será decidida. Ele tem roteiro e direção de Wilson Freire e aborda toda a minha trajetória na música especialmente no coco. No ano passado exibimos uma edição pré-acabada na Mostra Internacional de Música de Olinda, e foi um grande sucesso.  


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